quinta-feira, 20 de maio de 2010

Imprensa


Nessa segunda-feira em Florianópolis, uma notícia chamou atenção. Uma diarista de 24 anos deu à luz no TICEN (Terminal de Integração do Centro). Ela havia saído da Maternidade Carmela Dutra, onde foi levada pela ambulância do SAMU, após ser atendida na Unidade de Pronto Atendimento do Norte da Ilha. Segundo o diretor do Serviço de Obstetrícia da maternidade, Dr. Jorge Abi Saab, ela foi liberada porque tinha contrações espaçadas e dilatação de 3 cm (o parto acontece com a dilatação em 10 cm). Segundo ele, pela rapidez com que aconteceu, a evolução foi atípica (principalmente porque era o primeiro parto da mulher), sendo que poderia durar até 36 horas. Ela havia sido orientada para buscar em casa o cartão pré-natal. A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), por seu presidente da Comissão de Assistência ao Parto, condenou a liberação da paciente, com o argumento de que a paciente deveria permanecer na triagem para acompanhamento. Complementou que a evolução normal de um parto tem dilatação de 1 cm por hora, mas que pode variar de mulher para mulher, com a possibilidade de evoluções bem mais rápidas, como foi o caso. A Secretaria Municipal de Saúde disse que vai investigar o caso. Como se vê, são posições que em pouco divergem. Ambos concordam sobre a questão da evolução anormal. A discussão está em torno da liberação ou não da paciente. Eles são técnicos, profissionais da área. E aqui chego ao ponto que quero salientar neste post, e no próximo que publicarei. Na veiculação da notícia durante o JA Notícias, jornalístico da RBS TV, após a manifestação do diretor da maternidade, a apresentadora Márcia Manfro fez um comentário que colocou em xeque a conduta e o profissionalismo do médico. Minha namorada, doutoranda de medicina e que foi orientada pelo Dr. Jorge, em email enviado à RBS TV, bem expressou a significância do comentário. Transcrevo:
“Sou acadêmica do último ano de Medicina da UFSC e telespectadora diária do JA. Após notícia sobre mulher que deu à luz no TiCEN, a apresentadora Márcia Manfro fez um comentário no mínimo desrespeitoso sobre a declaração do Dr. Jorge Abi-Saab, dizendo que é "por isso que só mulheres dão à luz". Nós da UFSC passamos por estágio obrigatório na Carmela Dutra, e somos orientados pelo professor Jorge que, além de anos de experiência na área da Obstetrícia, é um dos médicos mais comprometidos com seu trabalho que conheço. As maternidades de Florianópolis são pequenas, há apenas 7 leitos de pré-parto na Carmela e 4 no HU. Por isso, só são internadas gestantes em trabalho de parto efetivo, pois os pródromos podem variar de horas a dias. Esse é o protocolo das duas maternidades. É extremamente incomum gestantes darem à luz com um trabalho de parto com menos de 3 horas e meia (que parece ter sido o que ocorreu, pela notícia). Apesar da minha pouca experiência, quando assisti à notícia não considerei o fato como erro/omissão do hospital. Por isso, me surpreendi com o comentário da Márcia, parecendo desdenhar do diretor. Acho estranho que o apresentador dê suas opiniões pessoais durante a apresentação dos telejornais, mas, se isso for feito, então que seja baseada em pesquisas prévias e fatos reais, não no "achismo". Afinal, pessoas podem ser prejudicadas injustamente, não? Certa de sua atenção, agradeço (Débora Zanatta)”.
No email, duas informações importantes: as maternidades de Florianópolis são pequenas, possuem poucos leitos de pré-parto, onde as gestantes ficam em observação. E a segunda informação dá conta que os hospitais seguem protocolos, ou seja, os procedimentos são balizados por normas de experiência/técnicas, talhadas pela prática médica do mundo todo. E para completar, o testemunho favorável ao profissional que, inclusive, já havia ouvido de outros doutorandos, muito antes do ocorrido. O tema pode despertar inúmeras interpretações, cada um que faça seu julgamento. E o papel da imprensa nesse caso é informar e não julgar. A opinião pública, os órgãos reguladores, a justiça se for o caso, cada um chegará ao seu veredicto sobre o ocorrido. Mas a jornalista não pode enlamear o nome de qualquer pessoa (no caso aqui, de um profissional experiente e respeitado). Em nome da liberdade de imprensa e do direito da sociedade em ser informada, cada vez mais o jornalismo se pauta pela audiência, esquecendo a ética, o respeito as partes envolvidas e as conseqüências de comentários depreciativos. É a condenação antes do processo, a desonra antes da verdade. Sou a favor da liberdade de imprensa, ampla, absoluta. Mas contra a leviandade, o jornalismo barato, a notícia sensacionalista, que macula, deturpa, desinforma, presta um deserviço à sociedade.

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